segunda-feira, 24 de outubro de 2011

CONVERSA TEOLÓGICA ENTRE PAI E FILHO

CONVERSA TEOLÓGICA ENTRE PAI E FILHO (Rubem Alves)

Filho: Papai, por que é que nós vamos à igreja?

Pai: Porque a igreja é a casa de Deus.

Filho: Mas as igrejas são muitas. Qual delas é a casa de Deus?

Pai: Ele mora em todas as casas ao mesmo tempo.

Filho: Ele mora inteiro em cada uma delas ou é só um pedaço?

Pai: Mora inteiro. Deus não tem pedaços.

Filho: Se a igreja é a casa de Deus, quer dizer que, fora da igreja, Deus não mora?

Pai: Deus mora em todos os lugares.

Filho: Também nas luas, nas estrelas, nas montanhas e nos desertos?

Pai: Sim. Também nas luas, nas estrelas, nas montanhas e nos desertos?

Filho: E na nossa casa? Deus mora lá também?

Pai: Na nossa casa Deus está sempre.

Filho: Se Deus está sempre na nossa casa, na lua e nas estrelas e nas montanhas e nos desertos, então todo lugar é casa de Deus. Se todo lugar é casa de Deus, porque é necessário ir à igreja para encontrar Deus?

Pai: Na igreja Deus é mais poderoso.

Filho: Então, há lugares em que Deus é mais poderoso e outros lugares onde ele é menos poderoso?

Pai: Sim, há lugares onde Deus é mais poderoso. Nos lugares onde Deus é mais poderoso é mais fácil acontecer milagres. É por isso que as pessoas de fé fazem longas peregrinações a pé, a cavalo, de ônibus, de avião, aos lugares onde Deus é mais poderoso, para receberem milagres.

Filho: É pra receber milagres que as pessoas procuram Deus? Se Deus não fizesse milagres as pessoas continuariam a procurar Deus?

Pai: Bem....

Filho: O Deus mais fraco é mais fraco mesmo? Ele é mais fraco que o Deus mais forte? Então o Deus mais forte é mais Deus que o Deus mais fraco? Reza que se faz em casa é mais fraca? Deus atende menos^?

Pai: ...

Filho: O Deus mais fraco é tanto Deus quanto o Deus mais forte?

Pai: sim, ambos são Deus.

Filho: Eu pensava que Deus era forte sempre, igual, na lua, na rua, na igreja, na casa, na favela, nas prisões. Deus está também nas prisões?

Pai: Deus está em todo lugar. Também nas prisões.

Filho: Se Deus é tão forte e pode fazer tudo o que deseja, por que ele não faz os maus ficarem bons? Se Deus está junto com eles, nas prisões, eles deveriam ficar bons...

Pai: Isso eu não sei...

Filho: Eu gostaria que Deus estivesse com a mesma força em todos os lugares. Se Deus é todo-poderoso e sabe todas as coisas, ele não poderia ter evitado o tsunami, os furacões, os terremotos, a corrupção? Vejo, na televisão, homens corruptos fazendo peregrinações...

Pai: Filho, estou com fome. Vamos comer um hamburguer com coca-cola?

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quinta-feira, 28 de julho de 2011

" Os doutores da alegria "

Era uma manhã de sábado ensolarada e eu estava ali, bem cedo, na enfermaria de pediatria. Tudo estava perfeitamente calmo e silencioso, algumas enfermeiras andavam de um lado pro outro olhando fixamente para a planilha que carregavam nas mãos. Entre um parágrafo e outro do livro que estudava, lança-va um olhar rasteiro numa criança careca que estava sentada no leito, brincando com um carrinho azul que empurrava tediosamente para frente e para traz. De repente um som familiar veio pelo corredor, algo que eu não ouvia ha algum tempo. Sim, eram eles, os “ doutores da alegria”. Uma mulher de aproximadamente 30 anos, cabelo curto e um homem de meia idade e de cabelo grisalho. Eles vestiam um jaleco engraçado, um nariz de palhaço e andavam tocando um violão. O sombrio e frio clima daquele nosocômio foi quebrado instantaneamente. O garotinho careca parecia não acreditar, abriu um sorriso enorme, quase que incompatível com a realidade pesada que o cercava. Entre brincadeiras e músicas engraçadas, a mulher de cabelo curto pergunta: - O que você vai ser quando crescer, rapaz? – E ele responde numa fração de segundo: - Caminhoneiro. - E o assunto se estende.
Um pouco depois os doutores foram embora, as risadas, a música, tudo tinha passado. O velho silêncio voltava a imperar na enfermaria, trazendo de volta o tom cinza do triste destino que cercava o menino careca. Percebi então que lia o mesmo parágrafo várias vezes, incomodado com alguma coisa naquele ambiente. Lancei um outro olhar e percebi que o garotinho careca carregava um sorriso no canto da boca, e voltava a empurrar o carrinho azul fazendo curvas no lençol, provavelmente sonhando com o seu futuro de sucesso. Três semanas depois, esse garotinho faleceu de leucemia.
Outro dia, ao encontrar com os doutores da alegria, pergunto, prepotentemente, como quem já soubesse a resposta: - Vocês são cristãos? - E ouço uma resposta seca, como uma martelada no meu ego evangélico: - Não, por quê? Precisa ser?



“ Então os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? Ou com sede, e te demos de beber? E quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? Ou nu, e te vestimos? E quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos ver-te? E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes. “ (Mateus 24)

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Alívio Imediato

Era um fim de tarde diferente. No céu havia uma misteriosa dança das cores do crepúsculo. Ventava suavemente e o cheiro de alecrim trazia um sentimento de paz que ele não sentia há algum tempo. Ferreiro de profissão, ouvia dizer que um tal Jesus passaria por ali aquela tarde. Enquanto subia o monte atrás de sua cabana, lembrou-se da história que lhe contaram: um menino pobre, nazareno, cheio de sabedoria nas palavras, chamado por muitos de messias. Do pouco que conhecia sobre os saduceus e fariseus, pressupunha ódio e decepção, pois aquele messias era algo oposto ao enérgico imperador que eles esperavam.

Mas o ferreiro estava ali, sentado numa pedra, debaixo de um pé de romã em cima do monte. Olhava a estrada lá embaixo que serpenteava entre os campos de trigo. Tudo era sutil, parecia que o tempo havia parado e a natureza dormia aos pés do céu alaranjado. Algumas ovelhas, brancas como um capulho, pastavam por perto dele. De repente ele vê um grupo vindo ao norte, um homem na frente, roupa simples, barba grande. Havia um silêncio abissal no trajeto, todos estavam quietos, andando calmamente como que apreciando a paisagem. Algo diferente acontece, uma criança sai correndo na frente do mestre. A mãe desesperada tenta passar pela multidão para pegar a filha imprudente. A pequenina tropeça e cai ao lado de Jesus. Chorando muito, provavelmente um pouco machucada, ela olha para ele como que se pedisse desculpas. O galileu para, ajoelha, olha para ela e finalmente abre um grande sorriso. Passando a mão no seu cabelo pergunta se ela está bem. Com os olhos úmidos, a pobrezinha ainda tenta se desculpar, então o mestre a pega no colo, limpa seus ferimentos com a mão, lhe beija o rosto e sai andando com ela nos braços. A multidão o segue.

O ferreiro ao longe se emociona, observa a multidão seguir caminho até perder todos de vista. Finalmente anoitece, uma noite ímpar, linda, fresca e calma. Ele se levanta, pega o caminho oposto e volta para casa, agora em paz.
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Jesus faz o mesmo conosco.

"Que a noite traga alívio imediato" (EngHaw)